Nosso ponto de partida é a Rua Solon de Lucena no centro de Arara.
Todo menino sonha com o dia em se tornará um homem, mas nenhum de nós tem pressa de envelhecer. Demora tanto para se chegar aos dezoito anos que fica difícil acreditar que o tempo passará mais depressa depois, ou que assim possa parecer. Para os meninos da minha época, então, chegar aos dezoito anos tinha uma urgência especial, pois só assim poderíamos tirar os documentos, votar, ir para o eixo Rio-São Paulo, arrumar um emprego, enfim, ganhar dinheiro de verdade.
Pois é a partir daí que começaram a surgir os problemas que passo a relatar nessas linhas. Uma questão relacionada ao êxodo rural, que atenta violentamente contra um patrimônio imaterial da humanidade, ou seja, as nossas lembranças.
Casa que pertenceu a Família Duarte no Sítio Riacho da Extrema. Foto: abril/2012.
Mesmo não sendo invocadas, as lembranças da infância insistem em manifestar-se nas pessoas de vez em quando. Independentemente de status social, todos são acometidos por esse estranho sentimento, entretanto, essas lembranças não podem existir sem o recorte geográfico e temporal alusivos ao nosso pedaço de chão, impregnado em nossas mentes, como se estivéssemos vivendo a primeira infância ao redor dos terreiros e quintais das nossas primeiras moradas.
Outro agravante é a violência na zona rural. Propriedade abandonada por falta de segurança. foto: abril/2012
Nessa seara, desafio até aos mais estúpidos e carrancudos a se arriscarem enveredar no íntimo das suas reminiscências para ver se conseguem não sentir saudades do seu antigo casebre, por pior que ele parecesse ser.
Casa que pertenceu a Família Pereira da Silva no Sítio Riacho da Extrema. Foto: abril/2012
Dispensando desde já, os comentários referentes aos estúpidos e carrancudos, insisto em continuar minha crônica, pois não posso ver uma casa antiga, com sua arquitetura parcial ou totalmente conservada que não fique tentado a descobrir quais famílias e o quanto foram felizes por trás daquelas velhas paredes.
Assim o fiz, na manhã de hoje, ao realizar um ‘tour’ solitário nas cercanias desta nossa cidade para observar as casas abandonadas na zona rural. Comecei passando pelos Sítios Gameleira, Serrote Branco, Riacho do Saguim, Limpo Grande, Cajazeiras, Serra, Saco e terminei no Riacho da Extrema.
Casa de farinha no Sítio Serra (desativada por falta de mão-de-obra) - Foto: abril/2012.
Nesse passeio matinal, retornei na linha do tempo, em quase três décadas, somente para recordar as alegrias que sentíamos ao passar naquelas mesmas vicinais que hoje se encontram desertas e seus outrora, transeuntes, hoje, totalmente ausentes. Em pouco mais de uma hora, fiz esse percurso semicircular, e honestamente, nunca me senti tão sozinho em plenas estradas onde sempre caminhei e nas quais tive grandes alegrias.
Tanques da Serra - Há 40 anos atrás, suas águas abasteciam os chafarizes da cidade de Arara.
Durante a minha excursão, ao passar em frente de todas aquelas casas abandonadas, fiquei a me perguntar, como seriam aquelas moradias por dentro hoje, se ali ainda residissem seus antigos proprietários? Será que ainda conservariam aquela mesma arquitetura antiga? Será que ainda existiriam os pés de fruteiras nos fundos dos terreiros, tão comuns no passado? E os animais de estimação como gatos, cachorros e papagaios será que ainda seriam criados? Não sei.
Casa que pertenceu a Família Camilo - Foto: Abril/2012
Os escravos africanos chegavam a morrer desta melancolia, a que chamaram de “banzo”. É claro que nem todos morriam, e apenas aqueles que tinham sido arrancados de sua terra, é que padeciam desta tristeza infinita.
Ruínas da casa de farinha de Antonio Gregório (sogro), no Sítio Serra Foto: abril/2012
Talvez seja assim que você, caro(a) leitor(a), que se encontra ausente da nossa terrinha, sinta-se ao ler (e reler) esta crônica. Confesso que as imagens ora postadas, deliberadamente tem esse objetivo. Fazer você ficar de ‘banzo’ mesmo.
Sede da propriedade de Antonio Gregório (sogro)
A nossa língua materna é tão rica que possui uma palavra para denominar, com exatidão, o que se sente quando vivemos longe do lugar onde ficaram nossas raízes. No português brasileiro, isto se chama saudade.
Casa abandonada no Sítio Richo do Saguim. Foto: abril/2012
E é isso que deixa meu coração ‘apertado e dolorido’ quando me lembro da compra de amendoins no Serrote Branco, dos banhos nos tanques da Serra, enquanto as mães lavavam roupas na lavanderia, dos laranjais existentes nos Sítios Cajazeiras e Riacho Fundo, dos pães doces, sordas e até bolachas regalias nas bodegas de Elias Ferreira e Geraldo Silva, e nos dias de feira, ‘oficiosamente’ investido na função de abre-malas, no ônibus da Viação São Francisco, tomávamos cotia com pão doce nas bodegas de Antonio Guandu, Hermes ou ainda em Paulo Siríaco.
Vale salientar que desde o final dos anos 70, as bodegas de Chico Pereira e Zuzu Duarte, lá do Riacho da Extrema, já haviam fechado as portas por falta de freguesia.
Antiga propriedade de Cândido Miranda. Foto: abril/2012
Hoje pela manhã, passeando por aquelas velhas estradas, lembrei-me do filme clássico “E o vento levou”, no qual Scarlet O’Hara segura um punhado de terra da propriedade de sua família acirrando a importância da terra na vida das pessoas, formando com o solo uma unidade indivisível.
Antiga propriedade de Bino Duarte. Foto: abril/2012
Os historiadores que se dedicam a relatar o cotidiano, afirmam que ao ser obrigado a abandonar o Brasil, depois do golpe militar de 1889, até o nosso Imperador Dom Pedro II levou um saquinho contendo alguns punhados da terra do Brasil (provavelmente de Petrópolis), como forma de não se afastar completamente da pátria que amava.
Vista parcial do Sítio Serra
E você, caro(a) leitor(a), que morou em uma dessas localidades e neste momento só tem fotografias das vossas antigas casinhas, ficou com vontade de reviver sua infância?
Propriedade da família Castigo. Sítio Serrote Branco - Foto: abril/2012
Para aqueles que gostam de fazer análises sociais, o fato é que dentre as 5.009 casas residenciais construídas em Arara, 1.091 estão vagas a espera de moradores, só que aproximadamente 85% destas estão na zona rural. Para uma cidade em que 1.429 famílias ainda não possuem sequer uma casa própria, isto parece ser um número muito elevado.
A realidade é que em Arara, os papéis se inverteram. Os sítios já não são mais encarados como os locais de sossego e tranquilidade. Nos últimos 10 anos, para fugir da violência crescente, os sitiantes utilizaram-se das suas reservas financeiras e construíram centenas de casas nas periferias da cidade, no entanto, uma parte considerável desses 'novos cosmopolitas' continua fazendo migração pendular, isto é, passam o dia nas atividades rurícolas e no final da tarde retornam para a zona urbana em busca de 'tranquilidade'.
Seja lá como for, com ou sem violência nos campos, o fato é que para o nosso consolo, trazemos esse pedaço de chão incrustado em nossas lembranças, em nossos jeitos de ser, de falar, no modo de caminhar, e, principalmente, no sorriso fácil que são marcas registradas dos ararenses.
Casa abandona no Riacho do Saguim. Foto: abril/2012
Banzo, tristeza ou saudosismo... O nome não importa. O que conta mesmo é saber que, passe o tempo que passar, quando nós historiadores ararenses, passamos nas estradas que levam a Lagoa de Pedra, Uruçu ou ao Araçá, desde as ruinas da primeira casinha na saída da cidade, já começamos a rememorar o frenético cotidiano daquelas antigas moradas onde muitas famílias foram felizes, e hoje, estejam perto ou distantes, não conseguem esquecer suas origens. Isto nos faz sentir como sendo ‘parte de um todo’, somos assim, profissionais mais completos, realizados, enfim, somos nós mesmos.
Professor Gregório,
ResponderExcluirparabenizo-lhe por mais uma crônica.
Na Antiga casa/bodega de Cícero de Gois morei 18 anos de minha vida. Rever a foto de minha antiga residência fez lembrar os anos que aí vivi com minha família. Hoje meus pais moram em Arara e eu em Solânea, onde sou vigário paroquial. Naquela casa/bodega morou um jovem que chegou ao sacerdócio e outros que constituíram família. Tínhamos poucos recursos, no entanto, éramos felizes.
Sempre que visito o sítio recordo a vitalidade que o sítio saco tinha, hoje poucos residem devido a violência e outros fatores.
Abraço a todos os leitores e ao meu ex-professor Gregório.
Pe. José Carlos de Góis, crl
Parabéns por mais uma crônica onde me fez lembrar do passado.
ResponderExcluirMuito legal, esse passeio turistico eu adorei essa viagem ao passado. Parabéns.
ResponderExcluirMara França,