segunda-feira, 2 de maio de 2011

Marcas da Memória... Uma viagem no tempo.

Seria possível dar uma volta ao redor do mundo em apenas 80 dias? Pois, é... Em 1874, a mente brilhante de Júlio Verne, aceitou o desafio, no qual um inglês e seu criado enfrentaram essa jornada e viveram grandes aventuras ao longo de sua viagem.

Largo da igreja matriz de Arara: aqui se fala de tudo e de todos...

Esta semana, pensando na façanha intelectual de Júlio Verne e observando o movimento cotidiano do “point” mais movimentado da cidade (leia-se: largo da igreja matriz e suas adjacências), resolvi rememorar cenas que devem ser lembrados sobre a nossa pacata cidade na década de 80, algumas já estão mais do que resolvidas ou atropeladas pelo trem da história, outras nem tanto... Senhores passageiros, estamos decolando, apertem os “cintos” e boa viagem!


Praça Pedro Gondim: o "point" mais descolado de Arara.

Neste início de viagem, gostaria de lembrá-los que procurarei fazer um relato que não envolva a política local e que também não só contemple o nome de pessoas da nossa geração, mais também de outros que já se transmigraram para outra dimensão, até porque, também cabe a cada um de nós, contar sua própria história.

Dito isso, vamos à escrita. A sensação que mais tem me dominado, ao fazer esse relato, tem sido a de que estou entrando no “túnel do tempo” e voltando a residir nos arredores da Rua Bela Vista no início dos anos 80. Vez por outra, me vejo sorrindo, ao lembrar cenas e episódios do cotidiano desta minha singela cidade.


Rua Bela Vista: tudo começou por aqui.

Nessas minhas abstrações, voltei a estudar com Dona Lucinha Guedes, na Escola Profissional, religiosamente uniformizado com aquela camisa de tergal amarela, combinando com a calça de terbrim roxa e para vestir os pés, aquele par de conga azul.

'Grupo de Dona Luzia': aqui só estudava a fina flor da sociedade ararense

Ainda dos meus primeiros tempos de escola, lembro-me que tinha uma vontade danada de estudar no 'Grupo de Dona Luzia', entretanto, não podia, porque lá não se doava o uniforme como na minha escola se fazia todos os anos, mas lembro principalmente o olhar severo de “Zé de Oiô”, sempre atento na portaria do Grupo. O mesmo “Zé Oiô” que vistoriava o fardamento e botava para fora da escola qualquer aluno que estivesse sem meia ou com meia de outra cor que não a preta.

Colégio Carlos Deodônio Moreno, atual Mons. José Paulino: quem não estudou ali, não sabe o que é bom...

Saudades das aulas de Ciência com Fátima de Mariana e seu inseparável pirulito, de Nininha Duarte com sua interminável conjugação do verbo “TO-BE”, da falta de jeito de Murilo Lourenço com sua Geografia dos Continentes, dos cochilos de Luzia Laudelina, nas horas das provas e até da rigidez de Seu Marísio, no trato com os alunos.


Nesta escola adquiri e valores que se levarei para o resto da vida...

Tenho lembrança das eleições para o Centro Cívico, na disputa entre Vando de Dora Medeiros e Jurandí Ernesto e das supostas lições de civismo do Professor Raimundo Pereira Lima. Das ‘peripécias’ que fazíamos no interior das salas de aulas quando não havia ninguém para denunciar ao diretor do colégio (ah!!! se aquelas salas de aula falassem...), da marcação cerrada de Marisinho, e dos chicletes “ploc e bubaloo” vendidos por Rosa no saguão da escola e indevidamente colados nos cabelos dos meninos e nas calças das meninas, depois de mascados.


Ponto de encontro dos 'paulistas' ararenses que chegavam esbanjando dinheiro.

Lembro-me das missas “relâmpago” de Padre Lambert de Groot, do grupo de jovens da igreja, organizado por Carminha Freire, Leninha, Cida e Fátima e das inúmeras voltas na praça, tentando paquerar as meninas que só queriam os rapazes de fora, em especial, os 'paulistas' que chegavam endinheirados e que se exibiam no bar de Seu Gilberto, para beber “campari” e fumar “hollywood”.

Chego a escutar a música de Ray Conniff, a última que tocava antes de começar o filme “A Lagoa Azul” no cinema de seu Zé do Correio, que além de ser o dono de cinema, era carteiro, atendente comercial e ainda inquilino dos correios, uma vez que morava dentro da agência quando esta funcionava ao lado da padaria de Dona Ana Melo.

O carnaval na rua vestidos com estopas e entoando as rimas de “urso”, devidamente melados de maizena e molhados com a água do tanque da praça. Os banhos de chuva nas ‘bicas do secador’ e a farra que se fazia no paredão de pedra no rio de 'Zé de Ó', depois das primeiras enchentes do ano.

Rio de 'Zé de Ó': aqui estão as ruínas do primeiro açude de Arara.

Recordo dos cortes de cabelo, ‘estilo militar’, feitos nas barbearias dos três Antônios. Seu Antonio Jacinto, pai de Lena, que chegou à cidade, abriu uma barbearia na sala de jantar de sua residência, suprindo definitivamente a falta de tempo de Seu Antonio Guedes e também assumindo parte da freguesia de Seu Antonio Barbeiro, pai de Nazareno.

Lembro das pessoas a procura de João Motoka da SAELPA ou de Zé Lázaro da CAGEPA, numa busca interminável para se resolver um problema crônico na cidade, isto é, falta de luz quando chovia e de água quando a chuva não aparecia...

Escritório da CAGEPA: em Arara nos anos 80, quando não faltava água, faltava luz.

Saudades das horas desperdiçadas jogando conversa fora na praça, e da compra de presentes na “sempre viva” de Dona Elvira Duarte, essa última dona do melhor armarinho de miudezas, perfumaria e presentes da cidade.



Centro comercial da 'terrinha': ao fundo o armarinho "a sempre viva", há quase trinta anos sem nenhuma mudança.

Recordo do estilo solícito do tabelião Múcio Massa, sentado por trás do vetusto balcão do único cartório que existia na cidade, sempre muito bem sintonizado com o mundo e cercado por pilhas de revistas semanais: Veja; Isto é; Manchete e pelo jornal diário Correio da Paraíba.

Cartório de Múcio: por aqui, todos passam em dois momentos determinantes, no nascimento e na morte.

Voltei mentalmente, a escutar a voz do Brasil no rádio “Nord - Son” lá de nossa casa, a assistir a sessão da tarde na televisão de Seu Manoel de Biu e ouvir os “retalhos do sertão” da Rádio Caturité. Ah, como posso esquecer-me da palhoça de Seu Edilson e das quadrilhas juninas de Dona Francisca Marinheiro?

Não poderia esquecer-me da feira semanal, onde tomávamos gelada com pão doce na barraca de Pedrão ‘Marmota’, depois de ter afanado um punhado de camarão na feira do peixe e beliscado um pedaço de carne de charque crua no mesmo local.

pátio externo do mercado: aqui se toma a 'melhor e mais higiênica gelada' do Brasil.

Ainda tenho a sensação de sentir o cheiro de café torrando no caco, no meio da tarde, em alguma cozinha da nossa vizinhança e as horas de sonolência depois do almoço na velha rede armada na sala, quando se ouvia o vento, escutava-se invariavelmente alguma porta bater, um menino chorar e um rádio, sintonizado na caturité, anunciar o início do Programa Social Postal Sonoro.

Saudades do pátio da sucata de Chico Dandão, onde passávamos horas ‘dirigindo’ camionetes, rural, fuscas, pick-up e até um ônibus, todos sem motor e sem pneus; de tirar onda com os olhos do galego “burra cega”; dos espetáculos da “paixão de Cristo” do Teatro Oliveira Cruz e dos inúmeros espetáculos dos circos quando eram armados em um terreno na Rua Bela Vista.

Lembrei-me de quando pegava frete na feira; De quando comprava cocada a João do Doce; da farinha comprada na bodega de Seu Zé Ferreira e do pão enrolado numa tira de papel de embrulho na bodega de Geraldo Silva, sobre o mesmo balcão em que se cortava sabão em barra e no mesmo espaço físico que vendia querosene. Ah! como era gostoso aquele pão...


Rua Hermes Lira: tudo que acontece na cidade passa por aqui ...

Senti a picada dos injetáveis prescritos pelo Padre Lambert de Groot, durante as internações na casa de saúde Padre Ibiapina e do gosto dos remédios receitados por Zé Bigode e me empolguei com os discursos e intrigas das disputas políticas entre Moacir Jerônimo e Zé Ernesto (1982).

Recordei até das aulas de educação física do Sargento César, que mais se pareciam com a matança e esquartejamento do boi no matadouro, cujo espetáculo público, nas tardes de domingo, diga-se de passagem, eram um evento. O cheiro das soldas e sequilhos na padaria de Seu Birino Paulo, sogro de Expedito, e o conserto das bicicletas na oficina de Seu Zé Fernandes.

Feira dos tecidos, calçados e frutas: ao fundo a bodega de Antonio Duarte.

Lembrei da compra de roupas, sandálias havaianas, congas, kichutes ou miudeza nos bancos de feira de Nino Peba, Zefinha Ponteiro, Antonio Guedes e Nino Duarte; de admirar o sortimento das bodegas de Seu Elias Ferreira, de Geraldo Silva e de Antonio Duarte, sem esquecer as bodegas menores e nem por isso menos sortidas de Zuzu Duarte, Martins Ferreira e Antonio Maranhão e do sucesso do Supermercado Bandeirante, e dos atacadistas Comercial Onofre, Cícero Félix, Manoel Chaves e Manoel Guaru.

Feira das roupas e miudezas: aqui se compra de tudo...

Voltei a me vestir com as “cabidelas” feitas a partir dos pesados ternos grossos vindos da Holanda, em um tempo em que ninguém ouvia falar em reciclagem. E me vi até rezando para não ser enterrado logo, nos caixões de defunto de Seu Otávio do Caixão, que além de marceneiro, também fazia incríveis caminhões de madeira e organizava excussões para “Nossa Senhora das Vitórias” (Carnaúba dos Dantas) e “Juazeiro do Padre Cícero” (Juazeiro do Norte).

Ah, lembrei também de Seu Sinésio da Rua Verde, botando água de ganho no lombo de um jumento e de todo o povo que ia buscar água no tanque da Pia. De Nequinho da pipoqueira, de Carestia e de Luís da Laranja. Lembrei ainda das festas na palhoça de Seu Marísio, animadas por Chico de Pepê de Esperança ou pelos apaches de Pocinhos.

Antigo chafariz: originalmente construído para armazenar milho, foi um desastre.

Voltei, na memória, a participar das festas de Nossa Senhora da Piedade e a ouvir os recadinhos através da difusora do Parque São João, com a execução de músicas como “Não se vá” na voz estonteante de Jane e Herondi, anunciada pelo Mestre Pedro, assim como as músicas de Padre Zezinho na difusora da igreja nos finais de tarde; os acordes das cornetas no toque da alvorada do dia 7 de setembro e a “correr” nas canoas do parque São João, que, além dos balanços venezianos para adultos e crianças e do supracitado stúdio musical, só tinha um mexicano, uma barraca de tiro ao alvo, um jujú e uma roda gigante que mais parecia uma teia de aranha.

Pátio da festa de setembro: se essas ruas falassem...

Retornei à militância para torcer pela vitória de Zé Ernesto(1982) e Zé Bigode(1988) e a admirar os chevettes de Mário Moreno, Luís e Zé Duarte, as cargas dos caminhões de Benedito Gavião e Zezinho de Cícero Paulo e o D-608 de Antonio Pinheiro da Rua Verde; assim como voltei a passar pela 'cidade proibida' que era a famosa rua do açude.

Vista parcial da 'cidade proibida': aqui muitos sorriram e outros choraram...


Voltei a acordar de madrugada para ir trabalhar nas feiras livres de Barra de Santa Rosa, Usina Santa Maria e Areia e bem antes ver as enchentes do rio, que invariavelmente, alagavam o campo de pelada “beira-rio”, até que foi literalmente carregado pelas cheias de 1984. Lembrei da paixão de Seu Pedro Belo pelo campo da Rua Verde e do zelo de Zé Pretinho pelo boi de carro que recolhia o lixo da rua.

Alguma semelhança com o 'labamba'? Este patrimônio do povo está condenado ao abandono, mais foi nele que me desloquei diariamente para Campina Grande em busca de melhores condições de vida.

E por último, para ir embora, peguei o novo “labamba” da prefeitura, dirigido por Aluízio de Lulão, que me levou para estudar em Campina Grande e que, de certa forma, contribuiu para que eu chegasse até aqui, depois de 80 horas escrevendo este texto que você acaba de ler, inspirado na obra do genial Júlio Verne.

Por essas e muitas outras razões é que as sensações se misturam...