segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Os patres famílias e a feira de Arara...

Pátrio externo do mercado público de Arara: dez/2012

Desde a segunda metade do séc. XIX, a maior parte dos patres famílias ararenses cultivou um saudável costume de 'resguardar' a segunda-feira, quase como um dia santificado. Os motivos para tanto, já se perderam nas memórias, o fato é que a cada semana, o sábado poderia até ser considerado um dia normal de trabalho, porém, a nossa segunda-feira era 'sagrada'... Desde 1872, este é o dia destinado a organização espontânea da nossa feira livre, ocorrência que já virou tradição aqui na terrinha. 


 feira do peixe: funciona semanalmente no mesmo local desde a década de 1960...

O ambiente espaço-temporal da feira livre de Arara, era como uma festa, principalmente nas décadas de 1960, 70 e 80, quando havia um maior movimento, com o empurra-empurra e esbarrões entre as centenas de pessoas juntas entre as vielas formadas pelos bancos da feira, geralmente ao redor do mercado público, todos aspirando uma mistura de odores, com destaque para peixes, temperos, carnes diversas, verduras,  frutas e muita gente suada. Nem mesmo os dias chuvosos nos tiravam o prazer de escolher um a um os  camarões, sardinhas, pedaços de carne de sol, mocotó de boi, temperos e legumes, devidamente acomodados nos carrinhos de mão guiados pelos carroceiros/fretistas que faziam pontos ao lado do mercado, tudo isso representava momentos de extrema alegria.


Pátio externo do mercado: outrora, este era o ponto de maior fluxo de pessoas na feira

Nos últimos tempos, durante as raríssimas vezes que tenho ido a feira livre, observo com tristeza que ela não é mais a mesma. Os patriarcas estão desaparecendo do cenário e os seus descendentes já não demonstram tanto interesse assim nos bancos da feira... Que pena! Você, caro leitor, é capaz de se lembrar como eram deliciosas as 'geladas de Pedrão' lá na porta do Mercado? 


Antigo armazém de Cicero Felix, cujos atividades foram descontinuadas no final dos anos 80...

  • E os picolés de Liguinha?
  • E as cocadas de seu João do doce?
  • E os bombons de Zé da Laranja?
  • E os amendoins de Carestia?
  • E dos kichutes de Nino Peba?
  • E das bolas canarinho de Nino Duarte?
  • E para os mais velhos, lembram como eram divertidos os bares de Arara nos finais das tardes das segundas-feiras?
  • E de uma 'certa casa' na Tourinho Moreno?
Os bares da feira das frutas: até aqui o movimento é restrito...

Atualmente a parcela dos ararenses que frequenta a feira vem diminuindo a cada ano, a alegria das pessoas também, e consequentemente, o faturamento dos feirantes está sendo prejudicado. Neste momento, há que se perguntar... Por que a feira de Arara, se reduziu tanto?

Os bares da feira dos calçados: outrora grande movimento, hoje em um visível declínio...

Numa análise superficial, poderíamos afirmar que foi o surgimento de centenas de 'mercadinhos' e supermercados. Mas... Como se explica o fechamento do tradicional "Supermercado Bandeirantes" em plena segunda-feira?


Supermercado Bandeirantes: Funcionou durante três décadas e encerrou suas atividades em 2012.

Para aqueles que leem regularmente este blog, sinto muito ter que desapontar-lhes ao discordar dessa análise superficial, porém, ouso seguir em outra direção... Tenho constatado que para a infelicidade geral de todos nós ararenses, foram as mulheres, e principalmente, as feirantes que mudaram... e para pior. 


Agora as freguesas são bastante seletivas na hora de escolher um banco para comprar na feira...

As freguesas, não querem mais ter o trabalho de se deslocarem para as ruas mal calcetadas no entorno do mercado e as feirantes, perderam a inocência e a ingenuidade, adotando atitudes que culminaram com o afastamento da freguesia, principalmente do público masculino (pater familias), que perdeu o entusiasmo e o rentável hábito de ir a feira de Arara. 


Imagem rara na feira, um homem pedindo desconto a uma feirante...

Ora, ir a feira livre era um motivo de puro divertimento e agradável satisfação. Alguém já observou  que os homens não acompanham mais suas esposas na feira de Arara? E que quando acompanham estão sempre sérios, contrariados e até pedindo um menor preço... (parece absurdo mas é isso mesmo...) pechinchando!!! O que não é comportamento compatível com o DNA do macho-alfa. Homem  pechinchando na feira... que surpresa, hein?

Mas... também, ir á feira, para que? Ver o que? Conversar com quem?

Para responder a estes questionamentos, procurei conversar com alguns velhos frequentadores da feira de Arara, quando na oportunidade diziam-me (sob condição de sigilo absoluto da fonte), que as feirantes de outros tempos eram mais divertidas, engraçadas, impetuosas, simpáticas, animadas e se orgulhavam da própria beleza.
 Cenas como esta de um 'patriarca' fazendo compras, são cada vez mais raras na feira de Arara.


Lembraram que nos bons tempos da feira de Arara, com muita determinação e alegria as feirantes, vestindo aquelas lindas e exuberantes roupas justas, ao perceberem a aproximação de um potencial freguês se abaixavam para arrumar suas mercadorias no banco, permitindo-se uma visão panorâmica das mais 'inocentes' silhuetas. Algumas de contornos enormes, outras nem tanto, umas com seios voluntariosos, quase saltando para fora da blusa, outras diminutas, minúsculos, que exigiam mais atenção e participação especial, pois o freguês tinha que parar (fingir que examinava alguma fruta), mas com atenção e esmero tentando descobrir mesmo eram 'outras frutas', aquelas muito mais diminutas e apetitosas.
















E quando a feirante notava essa devotada atenção do seu potencial freguês, se recompunha, mas não de maneira brusca e ofensiva, e sim, com aquele 'meio sorriso', 'cheio de inocência', 'puro', 'sem qualquer maldade'. Esse jogo de pura sensualidade, sem dúvida alguma era o responsável por grande parte do faturamento dos bancos da feira livre. Alguns homens até só iam à feira em busca 'delas'.

É claro que os meus informantes faziam questão de comprar alguma coisa nos melhores bancos da feira. Quanto mais a feirante se esforçava nesse jogo inocente, mais os fregueses compravam suas mercadorias. Os meus informantes também admitiram que, mesmo que não precisassem, tinham que parar e comprar alguma coisa, aquilo é que era comprar compulsivamente! Aquilo é que era feira livre boa, operada por feirantes competentes!!!!



O apurado (faturamento) dos bancos que eram 'gerenciados' por mulheres simpáticas e inteligentes era grande, consequentemente, os lucros eram bons, enfim, todos ganhavam, a alegria coletiva e a felicidade geral.

Os patriarcas ararenses consideravam as segundas-feiras como um dos melhores e agradáveis momentos da vida. Quando chegavam na feira não queriam mais sair. Saiam de um banco, em busca de outro na esperança de encontrarem um bem melhor. Ocupavam todo o tempo, apreciando mercadorias de muito valor.


E os homens? Os feirantes?






Feirante inteligente, esperto e dinâmico jamais iria trabalhar sem levar consigo, as irmãs, a esposa e as filhas. Chegavam todos juntos à feira, com muita alegria, toda família unida, exemplos de um velho bonus pater familias romano. Após arrumarem os bancos, colocavam-se as mercadorias em exposição, e em seguida, os homens davam aquela 'escapulida clássica' e se dirigiam para outra área da feira (jogar baralho, biriba ou bozó ou ainda beber cana), deixando para as mulheres a responsabilidade de aumentarem o apurado do dia. 



Lugar de feirante inteligente era no bar bebendo cachaça, jogando sinuca ou bozó, ou ainda paquerando com um séquito de profissionais da noite. Era assim que muitos feirantes participavam com entusiasmo e muita compreensão do desenvolvimento da feira livre de nossa cidade.

Retomando a questão do profissionalismo das comerciantes da feira, pergunto a você leitor: E a arte da apresentação e oferta das laranjas e goiabas? Atualmente é uma arte esquecida. O desaparecimento dessa arte é um dos males que tem provocado a decadência paulatina dos bancos da feira.

Quando uma feirante pegava daquele jeito uma laranja, uma goiaba ou até mesmo uma banana ou uma cenoura... Olhava para os fregueses e os ofereciam, perguntando se não queriam comprar... Certamente um calafrio de volúpia e satisfação sacudia todo o corpo dos perplexos compradores.

E como eram profissionais aquelas feirantes de outros tempos...

Hoje as feirantes não tem mais aquela inocente ingenuidade. Na feira livre de Arara, há falta de boas e agradáveis mercadorias para se ver e comprar e isto termina desviando a atenção e o interesse dos fregueses com percepções negativas sobre a feira, destruindo o encanto de um espaço que outrora era considerado 'quase sagrado' por nossos antepassados. 

Agora, ao caminhar pela feira livre de Arara, ao invés de nos encontrarmos com rostos divinos e sorrisos angelicais, o que percebemos é a carranca das pessoas, o preço alto das mercadorias,  a sujeira e o insuportável mau cheiro dos banheiros do mercado.

Claro que tudo isso sempre existiu na feira, porém os patriarcas de outrora nem percebiam, pois as feirantes embelezavam o espaço e não deixavam que a atenção e sentidos fossem desviados para pensamentos negativos.

Ao publicar este texto, tenho a esperança de que um dia, voltemos a nos entusiasmar e desejar semanalmente ir à feira livre de Arara, principalmente os machos-alfas que ao se encantarem por uma 'boa mercadoria', transformam-se em compradores compulsivos, nem que seja, para tomar uma 'gelada lá na barraca de Pedrão Marmota'...